Escravização indígena
Escravidão entre os indígenas
No que
viria a ser o Brasil, a escravidão já era praticada pelos índios, na sua forma
mais primitiva, bem antes da chegada dos europeus. Entre os Tupinambás (habitavam terras bertioguenses), que
eram antropófagos, a maioria dos escravos eram capturados nas tribos
inimigas e acabavam sendo devorados. Porém, entre a captura e a execução,
eles poderiam viver como escravos durante anos. Entre os Tupinambás a
escravidão não tinha nenhum valor econômico. Os cativos apenas serviam para serem
exibidos como troféus de valor militar e honra ou como carne a ser devorada em
rituais canibalescos que poderiam acontecer até quinze anos após a
captura.
Os escravos eram incorporados à comunidade, sendo que algumas escravas
se casavam com os homens da tribo. Porém, os cativos reconheciam-se como
escravos e como homens derrotados e o sentimento de degradação entre eles era
forte. Mesmo se escapassem, não seriam aceitos pela sua tribo de origem,
tamanho era o estigma em ter sido reduzido à escravidão, fazendo com que
servissem ao seu senhor fielmente, sem a necessidade de serem vigiados. Embora
os escravos fossem geralmente bem tratados entre os Tupinambás, eles tinham
consciência que estavam condenados e que, a qualquer tempo, poderiam ser
executados e devorados em orgias canibalescas, inclusive as mulheres
incorporadas à tribo como esposas.
Entre as tribos indígenas que não eram canibais, mas praticavam a
escravatura, estavam os Papanases não tinham costume de matar os que os ofendiam, mas
faziam deles escravos. Os Guaianás não comiam carne humana e faziam os
prisioneiros escravos. Os Tapuias também faziam os cativos escravos. Relata Gabriel Soares de Sousa no tratado descritivo do brasil em 1587:
[...] Não são os guaianases maliciosos, nem
refalsados, antes simples e bem-acondicionados, e facílimos de crer em qualquer
coisa. É gente de pouco trabalho, muito molar, não usam entre si lavoura, vivem
de caça que matam e peixe que tomam nos rios, e das frutas silvestres que o
mato dá; são grandes flecheiros e inimigos de carne humana. Não matam aos que
cativam, mas aceitam-nos por seus escravos; se encontram com gente branca, não
fazem nenhum dano, antes boa companhia [...].
Os Cadiueus viviam do tributo e do saque que faziam às tribos suas
vizinhas. A sua sociedade era estratificada e a sua base era constituída por
escravos, prisioneiros dos conflitos com as tribos vizinhas. Os terenas, apesar
de pagarem tributos aos Cadiueus e serem seus subordinados, também tinham a sua
sociedade estratificada e a sua base também era constituída por escravos.
Apropriação da escravidão indígena pelos
colonizadores portugueses
As constantes guerras intertribais foram usadas pelos colonos no
estabelecimento de alianças que favoreciam tanto os interesses dos
colonos como os dos próprios índios. Os portugueses, com estas alianças,
obtinham mão de obra, através da tradição tupi do cunhadismo,
com a aquisição de "índios de corda" e de um exército aliado poderoso. Ulrich Schmidl relata que João Ramalho "pode reunir 5.000 índios
em um só dia".
Os índios também viam nos colonos aliados poderosos que os
ajudavam contra os seus inimigos. Segundo Russell-Wood, os portugueses
construíram o seu império "com e não isoladamente contra os povos com os quais entraram em contato".
João Ramalho |
A guerra constante entre as tribos e a inimizade
entre os principais grupos foram aproveitadas pelos europeus. Assim, os
portugueses ficaram amigos dos tupiniquins, que eram os grandes inimigos dos
tamoios e dos tupinambás, os quais se tornaram aliados dos franceses, que
tentavam invadir o domínio dos portugueses. No sul do país, aconteceu a mesma
coisa: os grupos Tupis se associaram aos portugueses, e os Guaranis aos espanhóis. Na época do descobrimento e
colonização, a população indígena era calculada em 4,5 milhões no território
brasileiro.
Os portugueses dividiam os índios em dois grupos: os "índios mansos" e os "índios bravos". Os índios "bravos" eram inimigos , faziam
alianças com europeus inimigos, eram considerados estrangeiros, justificando as
chamadas "guerras justas".
Os índios "mansos"
eram os aliados dos portugueses, eram fundamentais para o fortalecimento dos
portugueses, eram vassalos do rei de Portugal e defensores das fronteiras do Brasil português. Os índios aldeados "[...]Não apenas participaram dos combates, como forneceram as armas e a
tática de guerra". A metáfora dos "muros" e "baluarte" usada pelos
portugueses para designar os índios aliados, significando proteção, foi
repetida ao longo de toda época colonial.
...na verdade, como informa a própria legislação indigenista
colonial, o sustento e a defesa da colônia viriam a depender dos índios
aldeados e aliados, pois constituíam o grosso das tropas de guerra.
A coroa portuguesa concedia vários benefícios e
honrarias às lideranças indígenas suas aliadas, como a concessão de hábitos das
ordens militares . Com o hábito da ordem militar, o índio adquiria o
título de "dom", frequentemente, uma tença, um rendimento dado pelo
rei, e, na hierarquia colonial, passava a ser um nobre vassalo do rei de Portugal. A política indigenista levou à formação de uma elite colonial
indígena com o intuito de fortalecer as alianças e lealdade dos índios e de
considerar os índios aliados à semelhança dos colonos europeus. Os índios
que se destacavam pela lealdade passavam a ocupar cargos oficiais, como o de
juiz ou vereador, nas câmaras de algumas vilas e cidades do brasil colônia.
Recebiam honras e privilégios que os destinguiam dos outros colonos e faziam
parte da "nobreza da terra".
Advertiu e persuadiu sua exa. A todos os
moradores, que obedecem igualmente aos juizes e veriadores indios como aos
europeos, porque tinham jurisdição e superioridade sobre todos os ditos
moradores para lhes admenistrarem justifsa e o prenderem quando delinqüirem.
O cargo de governador dos índios, primeiramente atribuído a Filipe Camarão,
um grande guerreiro e hábil estratega da tribo dos potiguares, tinha,
também, como função, organizar os aldeamentos indígenas e o recrutamento dos
terços dos índios, onde tinha servido como capitão-mor.
Fillipe Camarão |
Essa situação é reveladora de uma
"política indigenista" que era aplicada aos índios aldeados e aliados
e outra aos considerados inimigos. Ambos foram importantes no projeto de
colonização, fossem como mão de obra cativa ou como povoadora do território.
Os índios não só guardavam as fronteiras como também controlavam os
escravos africanos, propensos a se insurgir ou fugir e se juntarem aos europeus
inimigos dos portugueses. Por serem exímios em seguirem pistas, os índios eram
também contratados pelos proprietários de engenhos para capturar e resgatar
escravos fugidos dos engenhos e fazendas, neste processo também auxiliavam
os capitães do mato (negros ou mulatos livres) na captura de escravos
fugidos.
Além disso, a partir de um certo momento, a própria igreja
católica passou, através principalmente dos jesuítas, a fazer um trabalho
de catequização junto aos índios, dificultando aos portugueses e seus
filhos meio índios e tribos aliadas a escravização dos índios aliados dos
franceses. Esta posição foi defendida pelos jesuítas no brasil, que também
tinham escravos, o que gerou conflitos com a população local interessada na
escravatura, culminando em conflito, na chamada "a botada dos padres
fora" em 1640.
Nos séculos XVII e
XVIII, a faixa esquerda do Rio Amazonas transformou-se num espaço de
captura de indígenas para serem vendidos dentro e fora
das Guianas por traficantes que partiam de Caiena.
Escravidão indígena voluntária
Em 30 de julho de 1566, foi criada a lei que regulamentou pela primeira
vez a escravidão voluntária dos índios. Segundo essa lei, baixada por uma junta
convocada por Mem de Sá, "os
índios só poderiam vender-se a si mesmos em caso de extrema necessidade, sendo
que todos os casos deveriam ser obrigatoriamente submetidos à autoridade para
exame".
Escravidão
nas plantations
A instituição da escravidão no brasil toma forma com a grande
propriedade monocultura, na década de 1530. Portugal contava com pouco mais de
2 milhões de habitantes na época e mal podia arcar com a perda de mão de obra
para as expedições para o oriente, que viviam o seu auge. E, assim como
para qualquer outro colono europeu, não era interessante para o português
migrar para os trópicos para ser um simples trabalhador do campo. "a escravidão torna-se, assim, uma
necessidade: o problema e a solução foram idênticos em todas as colônias
tropicais e mesmo subtropicais da américa. Nas inglesas, onde se tentaram, a
princípio, outras formas de trabalho, aliás uma semiescravidão de trabalhadores
brancos, os indentured servants, a substituição pelo negro não tardou
muito."
Plantations |
O trabalho indígena já era utilizado na extração
do pau-brasil e, no princípio, foram também utilizados nas lavouras
de cana, mais ou menos benevolentemente. Mas o arranjo não funcionou por muito
tempo, por duas classes de motivos: os de natureza cultural e os de mercado.
"em primeiro lugar, à medida em
que afluíam mais colonos e, portanto, aumentavam as solicitações de trabalho,
ia decrescendo o interesse dos índios pelos insignificantes objetos com que
eram dantes pagos pelo serviço. Tornam-se aos poucos mais exigentes e a margem
de lucro do negócio ia diminuindo em proporção. Chegou-se a entregar-lhes
armas, o que foi rigorosamente proibido, por motivos que se compreendem. Além
disso, se o índio, por natureza, seminômade, se dera mais ou menos bem com
o trabalho esporádico e livre da extração de pau-brasil, já não acontecia o
mesmo com a disciplina, o método e os rigores de uma atividade organizada e
sedentária como a agricultura. Aos poucos, foi-se tornando necessário forçá-lo
ao trabalho, manter vigilância estreita sobre ele e impedir sua fuga e abandono
da tarefa em que estava ocupado. Daí para a escravidão pura e simples foi
apenas um passo."